Corredores fluviais

Em construção

A Diretiva 92/43/CEE, de 21 de maio de 1992, relativa à conservação dos habitats naturais e da fauna e flora silvestres, insta os estados-membros da UE a fomentar a gestão dos elementos da paisagem que se revestem de primordial importância para a fauna e a flora silvestres. Correspondem àqueles elementos que, pela sua estrutura linear e contínua (como os rios com as suas correspondentes margens ou os sistemas tradicionais de delimitação dos campos), ou pelo seu papel de pontos de ligação (como as lagoas ou os bosques) se revelam essenciais para a migração, a distribuição geográfica e o intercâmbio genético das espécies silvestres.

Na legislação espanhola, a Lei 42/2007, de 13 de dezembro, do Património Natural e da Biodiversidade. BOE 299, 14/12/2007 (Modificada pela Lei 33/2015. BOE 227, 22/11/2015) define corredor ecológico como: “el territorio, de extensión y configuración variables, que, debido a su disposición y a su estado de conservación, conecta funcionalmente espacios naturales de singular relevancia para la flora o la fauna silvestres, separados entre sí, permitiendo, entre otros procesos ecológicos, el intercambio genético entre poblaciones de especies silvestres o la migración de especímenes de esas especies” (Lei 42/2007. Art. 3).

De forma semelhante, a legislação portuguesa, contempla o conceito de “áreas de continuidade”, no Artigo 5º do “Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade” DL n.º 142/2008, de 24/07 (modificado por Rect. n.º 53-A/2008, de 22/09, DL n.º 242/2015, e DL n.º 42-A/2016, de 12/08). Em concreto, estas áreas de continuidade, nas quais se considera o Domínio Público Hídrico, seriam as que “estabelecem ou salvaguardam a ligação e o intercâmbio genético de populações de espécies selvagens entre as diferentes áreas nucleares de conservação, contribuindo para uma adequada proteção dos recursos naturais e para a promoção da continuidade espacial, da coerência ecológica das áreas classificadas e da conectividade das componentes da biodiversidade em todo o território, bem como para uma adequada integração e desenvolvimento das atividades humanas”.

A preservação da conectividade e a integridade ecológica da rede de espaços naturais Natura 2000 constitui um requisito legal imposto pela Directiva Habitats e pelo próprio DL n.º 142/2008, de 24 de julho. Considerando em ambos os casos a importância dos corredores ecológicos como elementos de união entre os espaços de alto valor ambiental, encarados como áreas centrais de biodiversidade, representados estes últimos pelas áreas protegidas, assim como pelas áreas que, sem estarem legalmente submetidas a um regime de proteção, mantêm uma elevada biodiversidade.

Dos distintos tipos de corredores ecológicos que se podem reconhecer no NW Ibérico (montanhosos, fluviais, litorais e marinhos), são os corredores fluviais aqueles que, de forma mais efetiva, favorecem o refúgio, movimento e dispersão de um grande número de espécies silvestres, pertencentes a distintos grupos taxonómicos e a distintos tipos de ambientes (terrestres, semiterrestres, aquáticos), servindo também de conexão efetiva entre os corredores de montanha e as áreas centrais de biodiversidade, com as áreas de conservação estabelecidas no espaço litoral e marinho.

O conceito de corredor fluvial encontra-se associado ao próprio conceito de rio, que representa muito mais que uma simples massa de água que circula por um leito. O corredor fluvial engloba o conjunto do território fluvial, isto é, o rio no seu canal de estiagem, a vegetação ripícola e o espaço que ocupam as águas durante as cheias (leito de cheia), juntamente com o coberto vegetal associado.

Os corredores fluviais, além do seu valor ecológico intrínseco, cumprem duas funções fundamentais, como conectores ecológicos e como reguladores hidrológicos.

No que concerne ao valor ecológico, os corredores fluviais incluem ecossistemas associados ao rio, tanto aquáticos como terrestres e de interface entre ambos, configurando uma zona de elevada biodiversidade que funciona como refúgio para muitas espécies típicas do ambiente fluvial. Este valor ecológico propiciou a declaração de numerosas Áreas Classificadas, em especial na Rede Natura 2000, devido aos habitats e espécies de interesse comunitário que encerram.

Este valor ecológico singular é incrementado pela função fundamental de conectores ecológicos, entre ecossistemas aquáticos e terrestres e entre áreas de alto valor ambiental territorialmente afastadas. Esta função reveste-se de especial importância, uma vez que os ecossistemas terrestres estão muito fragmentados por infraestruturas e diversos usos do solo. Neste contexto, os corredores fluviais representam os conectores mais válidos, ou pelo menos os mais funcionais, para interligar populações de seres vivos que de outra forma estariam isolados.

Finalmente, no seu papel de reguladores hidrológicos atuam como controladores de caudal e das cargas de sedimento que o rio arrasta em períodos de cheia, dissipando parte da sua energia, reduzindo os danos associados e recarregando os aquíferos. Desta maneira, o rio tanto transporta sedimentos até às praias litorais, como nutrientes até aos estuários e águas costeiras, com os consequentes benefícios ecológicos e económicos associados.

 

Um corredor fluvial inclui distintos meios ecológicos. Por um lado, encontram-se os meios de águas livres e correntes que compõem o curso fluvial; estes meios no NW da Península Ibérica podem estar representados por dois tipos de habitats de interesse comunitário: 3260 – Cursos de água dos pisos basal a montano com vegetação de Ranunculion fluitantis e da Callitricho-Batrachion; e 3270 – Cursos de água de margens vasosas com vegetação da Chenopodion rubri p.p. e da Bidention p.p.

Já fora do curso fluvial, em condições naturais, as orlas e as zonas de inundação periódica aparecem configuradas por distintos tipos de habitats. As galerias ou bosques ripícolas ou ripários (ribeirinhos) estão representados pelo tipo de habitat prioritário 91E0* – Florestas aluviais de Alnus glutinosa e Fraxinus excelsior (Alno-Padion, Alnion incanae, Salicion albae), que mostra distintas designações em função da configuração das espécies arbóreas dominantes: amiais, freixiais, salgueirais, bidoais, aveleirais, etc., e que se situam em contato com o rio. À medida que nos afastamos do curso fluvial aparecem distintas biocenoses (formações) arbóreas adaptadas a condições de inundação e humidade edáfica, bosques aluviais de bidoeiros e freixos (Fraxinus excelsior) (bidoais e freixiais), que se integram igualmente dentro do tipo prioritário 91E0* (em Portugal os freixiais são apenas de Fraxinus angustifolia). Em alguns rios aparecem pequenas áreas de bosques mistos de carvalhos, ulmeiros e freixos que correspondem ao habitat 91F0 – Florestas mistas de Quercus robur, Ulmus laevis, Ulmus minor, Fraxinus excelsior ou Fraxinus angustifolia das margens de grandes rios (Ulmenion minoris).

Junto aos habitats arbóreos, o corredor fluvial pode igualmente integrar áreas com vegetação higrófila herbácea [6410 – Pradarias com Molinia em solos calcários, turfosos e argilo-limosos (Molinion caeruleae), 6420 – Pradarias húmedas mediterrânicas de ervas altas da Molinion-Holoschoenion, 6430 – Comunidades de ervas altas higrófilas das orlas basais e dos pisos montano a alpino], assim como pequenas áreas húmidas, representadas por meios lagunares e de charcos (3110 – Águas oligotróficas muito pouco mineralizadas das planícies arenosas (Littorelletalia uniflorae), 3120 – Águas oligotróficas muito pouco mineralizadas em solos geralmente arenosos do oeste mediterrânico com Isoetes spp., 3130 – Águas estagnadas, oligotróficas a mesotróficas com vegetação da Littorelletea uniflorae e ou da IsoetoNanojuncetea, 3140 – Águas oligomesotróficas calcárias com vegetação bêntica de Chara spp., 3150 – Lagos eutróficos naturais com vegetação da Magnopotamion ou da Hydrocharition, 3160 – Lagos e charcos distróficos naturais), matos húmidos (4020* – Charnecas húmidas atlânticas temperadas de Erica ciliaris e Erica tetralix) e turfeiras (91D0* – Bosque de turfeira, 7110* – Turfeiras altas ativas, 7140 – Turfeiras de transição e turfeiras ondulantes, 7150 – Depressões em substratos turfosos da Rhynchosporion, 7210* – Turfeiras calcárias de Cladium mariscus e com espécies de Caricion davallianae). [Os habitats 91D0*, 7110* e 7210* não são referidos em Portugal continental.]

O contato do corredor fluvial com os bosques climácicos realiza-se frequentemente através de carvalhais (9230 – Carvalhais galaico-portugueses de Quercus robur e Quercus pyrenaica) e de outros tipos de bosques climácicos (habitat , enquanto o contato com o meio marinho, se realiza através do estuário (1130 – Estuários) e dos sapais e prados salgados associados a estes [1310 – Vegetação pioneira de Salicornia e outras espécies anuais das zonas lodosas e arenosas, 1320 – Prados de Spartina (Spartinion maritimi), 1330 – Prados salgados atlânticos (Glauco-Puccinellietalia maritimae), 1420 – Matos halófilos mediterrânicos e termoatlânticos (Sarcocornetea fructicosae)].

Como consequência, os corredores fluviais do NW da Península Ibérica englobam um total de 25 tipos de habitat do Anexo I da Diretiva 92/43/CEE, o que se supõe ser 35% do total dos tipos de habitat do território, e 11% do total dos tipos de habitat de toda a União Europeia. Estes números são muito relevantes, tendo em conta sobretudo que estes corredores estão distribuídos apenas em torno da trajetória desenhada pelos canais fluviais e, portanto, o território que ocupam é proporcionalmente reduzido em relação a outros tipos de habitat. A presença e distribuição desta elevada diversidade de habitats do Anexo I da Diretiva 92/43/CEE motivou a designação de um enorme conjunto de áreas da Rede Natura 2000 no NW da Península Ibérica, com o intuito de garantir a sua manutenção, ou restabelecimento, num estado de conservação favorável.

Representação esquemática dos principais tipos de habitats de interesse comunitário associados aos corredores fluviais do NW Ibérico.

Na tabela seguinte apresenta-se uma lista dos tipos de habitats presentes nos corredores fluviais do NW da Península Ibérica. Para cada um deles estabelece-se uma ligação à sua descrição de acordo com o Manual de Interpretação dos Tipos de Habitat da UE, que serviu de base às fichas dos Tipos de habitats naturais de interesse comunitário constantes do Anexo I da Diretiva Habitats, que compõe o Plano Setorial da Rede Natura 2000, elaboradas por ALFA – Associação Lusitana de Fitossociologia, em 2004. Em cada ficha incluem-se os caracteres diagnósticos, as espécies características, áreas de distribuição e presença, outros habitats associados, serviços prestados, pressões e ameaças, estado de conservação, objetivos de conservação, orientações de gestão, etc. [Nos habitats não presentes em Portugal a ligação faz-se com o “Manual de Hábitats de Galicia” –  elaborado por  IBADER do Campus Terra da Universidade de Santiago de Compostela.]

 

FICHAS DE HABITATS

 

1130

Estuários

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1310

Vegetação pioneira de Salicornia e outras espécies anuais das zonas lodosas e arenosas

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1320

Prados de Spartina (Spartinion maritimi)

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1330

Prados salgados atlânticos (Glauco-Puccinellietalia maritimae)

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1420

Matos halófilos mediterrânicos e termoatlânticos (Sarcocornetea fructicosae)

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3110

Águas oligotróficas muito pouco mineralizadas das planícies arenosas (Littorelletalia uniflorae)

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3120

Águas oligotróficas muito pouco mineralizadas em solos geralmente arenosos do oeste mediterrânico com Isoetes spp.

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3130

Águas estagnadas, oligotróficas a mesotróficas com vegetação da Littorelletea uniflorae e ou da IsoetoNanojuncetea

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3140

Águas oligomesotróficas calcárias com vegetação bêntica de Chara spp.

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3150

Lagos eutróficos naturais com vegetação da Magnopotamion ou da Hydrocharition

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3160

Lagos e charcos distróficos naturais

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3260

Cursos de água dos pisos basal a montano com vegetação de Ranunculion fluitantis e da Callitricho-Batrachion

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3270

Cursos de água de margens vasosas com vegetação da Chenopodion rubri p.p. e da Bidention p.p.

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4020*

Charnecas húmidas atlânticas temperadas de Erica cillaris e Erica tetralix

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6410

Pradarias com Molinia em solos calcários, turfosos e argilo-limosos (Molinion caeruleae)

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6420

Pradarias húmedas mediterrânicas de ervas altas da Molinion-Holoschoenion

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6430

Comunidades de ervas altas higrófilas das orlas basais e dos pisos montano a alpino

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7110*

Turfeiras altas ativas (1)

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7140

Turfeiras de transição e turfeiras ondulantes

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7150

Depressões em substratos turfosos da Rhynchosporion

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7210*

Turfeiras calcárias de Cladium mariscus e com espécies de Caricion davallianae (1)

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91D0*

Bosque de turfeira (1)

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91E0*

Florestas aluviais de Alnus glutinosa e Fraxinus excelsior (Alno-Padion, Alnion incanae, Salicion albae)

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91F0

Florestas mistas de Quercus robur, Ulmus laevis, Ulmus minor, Fraxinus excelsior ou Fraxinus angustifolia das margens de grandes rios (Ulmenion minoris)

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9230

Carvalhais galaico-portugueses de Quercus robur e Quercus pyrenaica

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Os corredores fluviais constituem um dos principais reservatórios de diversidade de espécies silvestres da flora e fauna dos nossos territórios. Os ambientes fluviais, que compreendem tanto as águas correntes, como os ecossistemas das margens e planícies aluviais, possibilitam o estabelecimento de espécies próprias destes ambientes, que não podem ser encontradas em outros meios, o que confere aos corredores fluviais um papel estratégico na hora de determinar a conservação das ditas espécies. No caso concreto dos trechos fluviais do NW Ibérico, estes mostram provavelmente a melhor representação das galerias ripícolas e bosques aluviais da Península Ibérica, destacando alguns dos bosques ribeirinhos que possuem mais de 60 espécies características de ambientes nemorais, como amostra do importante papel que desempenham como habitat para umaa rica e grande diversidade de espécies de flora, mas também de fauna. Entre estas convém destacar um amplo conjunto de espécies consideradas de interesse para a conservação, motivo pelo qual foram incluídas nos anexos das Diretivas Habitat (92/43/CEE) e Aves (DC 2009/147/CE), assim como nos catálogos nacionais e regionais de Espanha e Portugal.

Entre as espécies florísticas dos corredores fluviais destacam-se três fetos de interesse para a conservação da biodiversidade, incluídos nos Anexos II e IV da Diretiva 92/43/CEE: o feto-do-cabelinho (Culcita macrocarpa), Vandenboschia speciosa e o feto-do-gerês (Woodwardia radicans); os dois primeiros fetos estão  classificados como espécies Criticamente em Perigo e o último como Vulnerável à extinção na lista vermelha da flora vascular de Portugal continental. Estas espécies são ainda consideradas relíquias paleotropicais que permaneceram nos territórios atlânticos do NW da Península Ibérica, facto que reforça a sua importância como elementos de grande interesse para a conservação dos valores naturais do território. Outros fetos relevantes são: Isoetes fluitans, espécie aquática indicadora de águas oligotróficas e bem oxigenadas, que foi classificada como Em Perigo de Extinção no Catálogo Gallego de Espécies Amenazadas (Decreto 88/2007); assim como Dryopteris aemula e D. guanchica, pteridófitos presentes nas margens fluviais, que foram classificadas como Vulneráveis na Galiza, e em Portugal continental D. guanchica é considerado Em Perigo de Extinção; e Dryopteris corleyi de Interesse Especial nas Astúrias.

Os musgos e os líquenes também são grupos bem representados nos corredores fluviais, com algumas espécies aquáticas de interesse, assim como muitas outras que vivem nas árvores (epífitas) e afloramentos rochosos das margens fluviais. São disso um claro exemplo Hamatocaulis vernicosus (incluída no Anexo II da Diretiva 92/43/CEE) e Leptogium cochleatum, que foi classificada como espécie Em Perigo de Extinção, ou as espécies Vulneráveis Cephalozia crassifolia, Chiloscyphus fragrans, Cryphaea lamyana, Cyclodictyon laetevirens, Fontinalis squamosa, Lepidozia cupressina, Metzgeria temperata, Pseudocyphellaria aurata, Radula holtii, Schistotega pennata, Telaranea nematodes e Ulota calvescens.

Entre as angiospérmicas, de interesse para a conservação presentes nos corredores fluviais, convém destacar os narcisos (Narcissus cyclamineus – classificado como Vulnerável em Portugal –, N. pseudonarcissus subsp. nobilis e N. triandrus), assim como a espécie aquática Luronium natans, todas elas incluídas nos Anexos II e IV da Diretiva 92/43/CEE, e ainda a ciperácea higrófila Rhynchospora modesti-lucennoi (classificada como Em Perigo pela UICN), que em Portugal continental foi avaliada como Vulnerável. Entre outras espécies convém destacar: Callitriche palustris e Nymphoides peltata, classificadas como Em Perigo de Extinção na Galiza (a segunda tem a mesma classificação em Portugal), assim como Cardamine raphanifolia subsp. gallaecica e Carex hostiana, Vulneráveis na Galiza; Thelypteris palustris, Vulnerável nas Astúrias e Quase Ameaçada em Portugal; e ainda Carex vesicaria, com apenas duas populações em Portugal, uma das quais nas Lagoas de Bertiandos e São Pedro d’Arcos.

Entre as espécies animais de interesse para a conservação que se encontram associadas aos corredores fluviais, os invertebrados são sem dúvida um grupo relevante. Os odonatos são, quiçá, uma das ordens mais relevantes, uma vez que a sua fase de ninfa é aquática e o restante ciclo de vida se encontra frequentemente ligado às margens fluviais. Nos corredores fluviais do NW da Península Ibérica regista-se a presença de Macromia splendens, Oxygastra curtisii, Gomphus graslinii e Coenagrion mercuriale, incluídas no Anexo II da Diretiva 92/43/CEE (adicionalmente as três primeiras também se incluem no Anexo IV da Diretiva 92/43/CEE), considerando-se a M. splendens como Em Perigo de Extinção, enquanto O. curtisii foi classificada como Vulnerável. Os bivalves aquáticos também são relevantes no contexto dos corredores fluviais, com destaque para Margaritifera margaritifera (incluída no Anexo II da Diretiva 92/43/CEE, classificada Em Perigo de Extinção), e Unio delphinus (classificada como Vulnerável na Galiza). Entre os crustáceos de água doce destaca-se o lagostim Austropotamobius pallipes, incluído no Anexo II da Diretiva 92/43/CEE e classificado Em Perigo de Extinção na Galiza. Outras espécies de invertebrados de interesse comunitário (incluídas no Anexo II da Diretiva 92/43/CEE) que ocorrem nos corredores fluviais, e cuja presença e necessidade de conservação foram tidas em conta no momento de designar e delimitar as áreas da Rede Natura 2000, são o caracol Elona quimperiana, a lesma Geomalacus maculosus, o escaravelho Lucanus cervus e a borboleta Euphydryas aurinia.

A presença de espécies de peixes de interesse para a conservação nos corredores fluviais é indicadora do valor que estes possuem para a conservação dos recursos naturais e da biodiversidade. Merecem especial destaque as espécies migratórias, que comprovam a importância dos corredores fluviais para a migração, a distribuição geográfica e o intercâmbio genético das espécies silvestres. Entre estas convém destacar Alosa alosa (Em Perigo em Portugal), A. fallax (Vulnerável em Portugal), Petromyzon marinus (Vulnerável em Portugal) e Salmo salar (Criticamente em Perigo em Portugal), todas elas incluídas no Anexo II da Diretiva 92/43/CEE. Sem esquecer a enguia-europeia (Anguilla anguilla), espécie migratória catádroma com um complexo ciclo biológico, considerada Criticamente em Perigo na Lista Vermelha da UICN e Em Perigo de extinção em Portugal. Além disso, nos troços médios encontram-se presentes outras espécies como Achondrostoma arcasii (Em Perigo em Portugal), Pseudochondrostoma duriense (incluídas no Anexo II da Diretiva 92/43/CEE) e Gasterosteus aculeatus (classificada como Vulnerável na Galiza e Em Perigo de extinção em Portugal).

Os anfíbios são espécies muito ligadas aos ambientes fluviais, devido à ligação total ou parcial do seu ciclo de vida aos meios aquáticos. Entre as espécies de anfíbios ligadas aos corredores fluviais com interesse para a conservação, merecem destaque as que estão incluídas no Anexo II da Diretiva 92/43/CEE, como Chioglossa lusitanica (Vulnerável em Portugal) e Discoglossus galganoi (Quase ameaçada em Portugal), assim como um vasto elenco de espécies integradas nos diferentes catálogos de espécies ameaçadas e classificadas na categoria Vulnerável (Alytes obstetricans, Hyla molleri, Lissotriton boscai, L. helveticus, Pelobates cultripes, Pelodytes punctatus, Pelophylax perezi, Rana iberica, R. temporaria, Salamandra salamandra, Triturus marmoratus).

Os répteis também estão presentes nos corredores fluviais, tanto com espécies de hábitos aquáticos, como com espécies que vivem nas zonas ribeirinhas. Entre as primeiras é possível citar a presença do cágado-de-carapaça-estriada (Emys orbicularis), incluído nos Anexos II e IV da Diretiva 92/43/CEE e classificada como Em Perigo de Extinção em Portugal e na Galiza, do cágado-mediterrânico (Mauremys leprosa), incluído nos Anexos II e IV da Diretiva 92/43/CEE), assim como da cobra-de-água-viperina (Natrix maura) e da cobra-de-água-de-colar (N. natrix), ambas incluídas na Lista Espanhola de Espécies Silvestres em Regime de Proteção Especial. Em relação às espécies de répteis que podem ocorrer nas zonas ribeirinhas, destacam-se as que estão incluídas nos Anexos II e IV da Diretiva 92/43/CEE, como a lagartixa-da-montanha (Iberolacerta monticola), classificada como Vulnerável em Portugal, e o lagarto-de-água (Lacerta schreiberi), ambos endemismos ibéricos, e outras catalogadas como Zootoca vivipara (considerada Vulnerável na Galiza).

As aves são o grupo de vertebrados que conta com o maior número de espécies com interesse para a conservação nos corredores fluviais do NW da Península Ibérica. Entre as espécies do Anexo I da Diretiva 2009/147/CE (cuja presença determina a delimitação das ZPE da Rede Natura 2000) registados neste território destacam-se o guarda-rios (Alcedo atthis), a cegonha-branca (Ciconia ciconia), a garça-branca-grande (Egretta alba), o falcão-peregrino (Falco pereginus), o pernilongo (Himantopus himantopus), o garçote (Ixobrychus minutus), o milhafre-preto (Milvus migrans), a garça-noturna (Nycticorax nycticorax), a gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax) e o maçarico-bastardo (Tringa glareola). Não obstante, também ocorrem espécies incluídas nos distintos catálogos, como a escrevedeira-dos-caniços (Emberiza schoeniclus subsp. lusitanica), a narceja-comum (Gallinago gallinago), o maçarico-real (Numenius arquata), o corvo-marinho-de-crista (Phalacrocorax aristotelis) e o abibe (Vanellus vanellus), assim como espécies incluídas na Lista Espanhola de Espécies Silvestres em Regime de Proteção Especial como o rouxinol-grande-dos-caniços (Acrocephalus arundinaceus), a garça-real (Ardea cinerea), o melro-d’água (Cinclus cinclus), a andorinha-dos-beirais (Delichon urbica), o pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula), o falcão-tagarote (Falco subbuteo), a andorinha-dáurica (Hirundo daurica), o torcicolo (Jynx torquilla), o maçarico-de-bico-direito (Limosa limosa), o papa-moscas-cinzento (Muscicapa striata), o mocho-pequeno-d’orelhas (Otus scops), a felosa-comum (Phylloscopus collybita), a andorinha-das-barreiras (Riparia riparia), o cartaxo-comum (Saxicola torquata), o maçarico-bique-bique (Tringa ochropus), entre muitas outras.

Os corredores fluviais albergam igualmente uma interessante fauna de mamíferos com interesse para a conservação, incluídos tanto nos anexos da Diretiva 92/43/CEE, como nos diferentes catálogos nacionais e regionais do NW da Península Ibérica. Entre os mamíferos de hábitos aquáticos refira-se a presença da toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus) e da lontra (Lutra lutra), incluídas nos Anexos II e IV da Diretiva 92/43/CEE, a primeira das quais foi classificada como Vulnerável em Portugal e Espanha. Entre os mamíferos presentes nas margens fluviais, destaca-se o grupo dos quirópteros, que engloba várias espécies de morcegos protegidos (Eptesicus serotinus, Myotis daubentonii, Nyctalus neisleri ou Rhinolophus hipposideros), assim como outras espécies de hábitos ribeirinhos também catalogadas, como o gato-bravo (Felis silvestris), classificado como Vulnerável em Portugal, ou o arminho (Mustela erminea).

A presença desta elevada diversidade de espécies nos corredores fluviais do NW da Península Ibérica favoreceu a classificação de um numeroso conjunto de áreas da Rede Natura 2000 (SIC, ZEC e ZPE), com o intuito de garantir a sua manutenção ou o restabelecimento para um estado de conservação favorável.

São numerosos os elementos do património cultural material associados aos corredores fluviais que se conservam no NW Ibérico e especialmente nas bacias e sub-bacias onde se desenvolve o projeto LIFE Fluvial. Os elementos mais representativos correspondem a antigos povoados humanos estabelecidos estrategicamente próximos dos corredores fluviais, nos quais se abastecem de água, peixes, madeira e forragens. Destes antigos povoados surgiram posteriormente as vilas e as cidades, integrando em muitas ocasiões os próprios corredores no seu desenvolvimento urbano.

O uso da corrente das águas para impulsionar variados engenhos também remonta a épocas antigas, surgindo, assim, distintos tipos de moinhos, pisões, maços, ferrarias, serrações, lagares, estanca-rios, etc. Estes dispositivos baseiam-se no aproveitamento da energia cinética da corrente de água para a sua conversão em energia mecânica que permite a moagem de diversas matérias-primas (especialmente cereais), a transformação de distintos tipos e tecidos, o moldado de peças de ferro, o polimento e afiamento de ferramentas, o torneado e corte de peças de madeira, etc. Em definitivo, trata-se de engenhosas instalações tradicionais que se foram adaptando às condições do meio fluvial, aos conhecimentos técnicos e à procura dos mercados locais.

Outro elemento cultural de grande relevância é o que é constituído pelas pontes, as mais antigas vinculadas à chegada dos romanos, ainda que as mais frequentes foram construídas e reconstruídas posteriormente, durante a Idade Média ou a Idade Moderna, que coabitam atualmente com pontes de betão e estilo contemporâneo. Existem também pontes menos monumentais (os pontões, pontilhões ou pontelhas e até as poldras) construídas para satisfazer as necessidades das povoações locais, construídas em pedra ou combinando pedra com madeira. Relacionado com as pontes, conservam-se ainda muitos topónimos com o apelativo de “Puertos” (em espanhol) ou “Porto”, “Passagem”, “Vau”, “Barca” (em português), que nos indicam as áreas usadas para passar os cursos fluviais, fosse com a ajuda de pequenos barcos (e.g. pirogas) ou cruzando com carroças ou a cavalo.

Os barcos fluviais, atualmente um elemento etnográfico, foram até à segunda metade do século XX um meio de transporte essencial para o trânsito de pessoas e mercadorias (e.g. as embarcações de carga água-arriba do rio Lima). Em algumas sub-bacias, como na bacia alta do rio Minho (Espanha), a embarcação tradicional (o batuxo) foi utilizada como ferramenta sustentável para a retirada de espécies exóticas invasoras do canal fluvial. Este uso possibilitou, por um lado, a recuperação e promoção do património etnobiológico do território, e, por outro, desenvolver uma ação de conservação do património natural, em que o uso de ferramentas mecanizadas ou barcos a motor foi evitado, implementando uma experiência pouco agressiva ao meio aquático. No rio Lima (Portugal) a ‘barquinha’ continua a ser utilizada na pesca profissional da lampreia.

Igualmente ligadas à presença de corredores fluviais, é possível identificar numerosas fontes que podem ser enquadradas na cultura popular. Os tipos de construção são muito heterogéneos, desde simples canos de água, a estruturas de maior sofisticação (e.g. com aquedutos para transporte da água). As fontes podem estar muito vinculadas à cultura popular e a lendas (aparições e episódios milagrosos, poderes curativos, etc.), assim como também detêm um importante valor histórico e artístico.

 A abundância de peixes gerou igualmente todo o tipo de artifícios para a sua captura. Os anzóis, fisgas e redes eram já empregues com destreza pelos antigos povos, para posteriormente se difundirem as pesqueiras. Alguns autores vincularam o surgimento desta prática com a romanização, no entanto não existem dados fidedignos para manter esta hipótese, pelo que estas terão uma origem posterior, possivelmente na Idade Média, época em que estão documentadas em diferentes arquivos. As pesqueiras («pesquerías», «pesco», «pesqueiras», em espanhol) assentavam geralmente sobre os afloramentos rochosos existentes no leito fluvial, sobre os quais se construíam muros (os açudes) em ziguezague (os mais comuns no rio Lima) ou em “v” (ou outras formas, consoante as características do leito) de forma a conduzir a água e os peixes para pequenas aberturas (os bocais ou boqueiros, como se designam no rio Lima), onde se armavam redes (as nassas). Este tipo de pesca não tinha qualquer critério de sustentabilidade, fornecendo uma quantidade significativa de peixes ao seu dono, que geralmente se identificava com um nobre ou com a igreja. Em Portugal esta arte de pesca mantém-se ainda em alguns rios, e particularmente no rio Lima (que viu grande parte das pesqueiras fixas tradicionais submersas pela barragem de Touvedo) ainda se pratica, inclusive como zona de pesca profissional, com normas e regulamentação próprias, de forma a manter esta pesca tradicional de forma mais sustentável.

É igualmente muito relevante o património imaterial vinculado aos cursos fluviais que se conservou nas bacias hidrográficas do NW ibérico. Lendas, fábulas e contos incorporam elementos comuns com outros territórios ibéricos e europeus, mas também elementos próprios e diferenciais. Por exemplo no rio Lima, a lenda do rio Lethes, o rio do esquecimento. De igual forma, o conjunto de usos, representações, conhecimentos e técnicas relacionados com os corredores fluviais, incluindo os instrumentos, artefactos e espaços que lhe são inerentes, transmitidos de geração em geração, e recriados de acordo com o ambiente fluvial, a sua interação com o meio aquático e a história do território que os rodeia, imprimindo um sentimento de identidade própria em que o corredor fluvial atua como um elo de ligação e catalisador para evocar as tradições seculares.

Os corredores fluviais e especialmente os rios, foram e continuam a ser inspiração para muitos escritores e artistas. Alvaro Cunqueiro [1911-1981] referia-se à Galiza como o “país dos mil rios”, enquanto Manuel María Fernández Teixeiro [1929-2004], cantou o Minho, como o “Pai dos Rios Galegos”, assim como os cursos de água que correm na Terra Chálucense (Lugo, Galiza) em distintos poemas.

Meus amadisimos peixes, ordenados

en tribos, provincias e naciós:

salmós, troitas, anguías,

escalos, sábalos, lampreas

e ainda o recente blas-blas…

Moradesen casais, parroquias,

vilas e cidades que os humanos

non ollannindescobren:

só a vós

vos falo pois quero sementar

no voso leve e delicado corazón

a flor marabillosa do amor.

Coidade dos fondos subacuáticos

e non deixedes luxar endexamais

a pureza das augas cristalinas.

Confederádevos xa coas galiñoas,

cabaliños do demo, parrulos,

arceas e lavancos:

loitade ferozmente

contra tanta poluciónenvelenada

que vos asasinasin piedade

edestrúe a beleza dos ríos

e a perfecta fermosura do mundo.

Defendede ata a morte o voso reino:

¡fuxide das mortíferas nasas,

das invisibeis, enganosas redes,

das cordas, dos anzois, da dinamita

e habitade en paz eternamente

a marabillosa luz das ondas libres!

Manuel María Fernández Teixeiro:

O MIÑO canle de luz e de néboa.

Poema: Proclama os peixes do Miño

 

Em Portugal o rio Lima também surge na boca de vários poetas e escritores. António Feijó deixou estes versos sobre o rio Lima:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os corredores fluviais não são somente elementos fundamentais para a salvaguarda da biodiversidade a curto e longo prazo, são também espaços multifuncionais capazes de proporcionar valiosos benefícios para o ser humano, que afetam direta ou indiretamente a nossa (qualidade de) vida. De facto, o ser humano é parte integrante destes sistemas. Os denominados serviços de ecossistema, associados aos corredores fluviais, correspondem aos benefícios que estes nos providenciam, pelo que o seu estado e funcionamento ecológico e ambiental se traduz num grande número de bens e serviços, normalmente classificados como de abastecimento, de regulação e culturais.

Os ecossistemas florestais, particularmente os bosques higrófilos associados a margens fluviais e a pontas dos estuários, constituem, em conjunto com os ecossistemas aquáticos, o coração dos corredores fluviais do NW ibérico. De facto, os bosques de áreas húmidas incluem os habitats de maior relevância dentro do projeto LIFE FLUVIAL e resultam de grande importância para a conservação da biodiversidade, que é a fonte, por sua vez, de muitos bens (e.g. madeira e lenha, recursos genéticos, etc.). Deste modo, as alterações na biodiversidade que albergam estes bosques irão influenciar a oferta de serviços ecossistémicos que prestam à sociedade.

Os serviços de regulação são, sem dúvida, os serviços ecossistémicos mais importantes prestados por todo este complexo fluvial. Destaca-se especialmente a regulação da capacidade de autodepuração do sistema ecológico (incluindo a regulação da qualidade do ar-água-solo, do ciclo hidrológico, das alterações climáticas e do ciclo de nutrientes) e da regulação biológica (regulação de pragas), de especial importância para a saúde humana. Além disto, providenciam outros serviços relacionados com os ciclos de vida próprios destes meios (viveiros naturais de espécies, provisão de habitat) e com a capacidade de amortecimento de cheias e tempestades. No que diz respeito aos serviços de abastecimento (ou de aprovisionamento), na atualidade estes ecossistemas proporcionam água em quantidade e qualidade para usos urbanos (residenciais, comerciais, industriais e públicos) e a outros usos, como para agricultura e pecuária, produção de energia e de lazer (balnear, pesca lúdica, etc.), assim como madeiras e lenha. Quanto aos serviços culturais, os ecossistemas aquáticos são objeto de uma intensa atividade piscícola, o que evidencia o excelente estado das suas águas, tal como das populações piscícolas que alberga; por sua vez, os ecossistemas florestais, que ocorrem nas margens ao longo dos cursos fluviais, cumprem um amplo leque de funções relacionadas com a fruição e lazer ao ar livre, a melhoria estética e paisagística nas imediações das povoações, os desportos de ar livre e o turismo de natureza, a observação de aves, a educação e interpretação ambiental e do património cultural ligados historicamente a estes sistemas.

Ocasionalmente, a sobre-exploração ou intensificação de certos serviços de abastecimento ou o aproveitamento insustentável de certos serviços culturais, associados ao uso público do sistema fluvial, provocaram um declínio na provisão dos serviços de regulação e nos valores da biodiversidade albergada pelo território. Por exemplo, as práticas abusivas na extração de madeira podem chegar a provocar graves efeitos negativos sobre o estado de conservação dos ecossistemas florestais. A intensificação do uso das margens ribeirinhas, eliminando habitats naturais (bosques ripícolas, orlas herbáceas, etc.) para estabelecer florestas de produção ou pastagens para produção forrageira, prejudica significativamente os valores naturais dos corredores fluviais. De igual modo, a destruição de habitats naturais para a construção de equipamentos coletivos de lazer (piscinas, praias fluviais, áreas recreativas, etc.) também promove um impacto negativo sobre a capacidade de regulação do corredor fluvial e, consequentemente, na prestação deste tipo de serviços de ecossistema. Por outro lado, uma atividade pesqueira excessiva ou a construção de obstáculos para fins diversos, contribuem para o declínio das populações de diversas espécies piscícolas. Em suma, a promoção dos serviços de abastecimento ou dos serviços culturais não pode ser realizada à custa de uma perda na multifuncionalidade destes sistemas, ou da degradação dos seus serviços de regulação (serviços-chave para o nosso bem-estar, segurança e saúde pública), assim como não pode ser a causa de uma perda acelerada dos componentes-chave da biodiversidade deste território.

O uso ancestral dos corredores fluviais por parte do Homem conduziu, em muitos casos, à redução das biocenoses arbóreas e arbustivas por formações herbáceas destinadas ao aproveitamento para a criação de gado, configurando distintos sistemas de lameiros [habitat 6510 – Prados de feno pobres de baixa altitude (Alopecurus pratensis, Sanguisorba officinalis), 6520 Prados de feno de montanha (em Portugal este habitat não foi considerado no Plano Setorial da Rede Natura 2000, mas os cervunais – habitat 6230* –, que por vezes são fenados, também se incluem nos corredores fluviais de montanha)] e pastagens húmidas [6410 – Pradarias com Molinia em solos calcários, turfosos e argilo-limosos (Molinion caeruleae), 6420 – Pradarias húmidas mediterrânicas de ervas altas da Molinio-Holoschoenion]. Nas últimas décadas muitos dos corredores fluviais foram afetados pela plantação ou mesmo invasão de espécies arbóreas exóticas (Populus spp., Eucalyptus spp., Pinus spp.), expandindo-se tanto sobre antigos prados e pastagens, como sobre áreas ocupadas por bosques higrófilos e áreas húmidas.

Adicionalmente, há que ter em conta que a alteração do equilíbrio entre os caudais e o transporte de sedimentos, provocada por algumas intervenções humanas (barragens, canalizações, açudes, desvios da água, pontes), também se repercute nas características das comunidades biológicas instaladas no meio fluvial.

Neste sentido, desde a promulgação da Diretiva-Quadro da Água 2000/60/CEE registaram-se progressos no estudo das repercussões da atividade humana no estado das águas na Europa e as administrações dedicaram grande esforço para identificar os riscos de incumprimento dos objetivos ambientais, através da análise de pressões, impactos e os riscos nos cursos fluviais. A Diretiva-Quadro da Água tem como objetivo alcançar o bom estado das massas de água, tanto a nível ecológico como químico.

O bom estado ecológico depende dos elementos biológicos, mas também dos hidromorfológicos, físico-químicos e químicos de suporte aos elementos biológicos.

Alterações hidromorfológicas

A construção de barragens e açudes podem afetar significativamente a continuidade do corredor fluvial. Por um lado, a montante é criado um meio de águas estagnadas e geralmente profundas (as albufeiras), que diferem substancialmente das condições biológicas e hidrológicas que definem um ecossistema de águas correntes (lótico). Por outro, para jusante alteram-se as características do escoamento superficial das águas e especialmente do trânsito dos sedimentos. Como consequência deste desequilíbrio entre caudal líquido e sólido, o rio reage a curto e médio prazo com reajustes morfológicos, como entalhamento do canal fluvial, erosão das margens, assoreamento do leito, descalçamento de pilares das pontes ou alterações no sistema natural de rápidos (ou baixios) e fundões no leito, entre outros. Estas transformações repercutem-se, por sua vez, na posição do nível freático, na perigosidade das cheias e nas características da massa de água, como a temperatura e oxigenação. Tais alterações irão afetar os ecossistemas fluviais associados, chegando a tornar-se incompatíveis para o desenvolvimento de muitas espécies, tanto animais como vegetais, características dos corredores fluviais, provocando o seu desaparecimento nos trechos afetados.

Esta situação observa-se de forma evidente na bacia hidrográfica do Minho, ao comparar a biodiversidade dos corredores fluviais da Bacia Alta (Terra Chã) e da Bacia Baixa (Baixo Minho) com os corredores da Bacia Média, que alberga uma sucessão de grandes albufeiras. Antes da construção das barragens, espécies como Nymphoides peltata (golfão-pequeno), classificada como ‘Em Perigo de Extinção’ no Catálogo Galego de Espécies Ameaçadas e na lista vermelha da flora vascular de Portugal continental, que apresentava uma área de distribuição contínua ao longo dos distintos trechos da bacia do Minho, com o enchimento das albufeiras desapareceu da Bacia Média, ficando os núcleos populacionais das Bacias Alta e Baixa desconectadas. Situação semelhante ocorre com o salmão-atlântico (Salmo salar) ou a lampreia-marinha (Petromyzon marinus), que, antes da construção das grandes barragens do rio Minho, subiam até ao trecho próximo da cidade de Lugo, mas atualmente ficam restringidas ao Baixo Minho. Não são só as barragens para aproveitamento hidroelétrico que alteram o corredor fluvial, também pequenos açudes de antigas pesqueiras, desvios de água para fins agrícolas e para moinhos podem ter um efeito negativo sobre o regime hidroecológico e sobre a distribuição e estado de conservação de determinadas espécies. Nestes casos, deve-se avaliar as ações a realizar para garantir a coexistência dos valores culturais, biológicos e ecológicos, recuperando a função de conetividade hidrológica ou ecológica dos corredores fluviais.

Em meios fluviais represados (albufeiras de grandes barragens) é fundamental favorecer uma configuração adequada, especialmente na zona de contacto entre a área inundada e a franja ribeirinha (zona de marnel), assim como a variação temporal do nível da água, de forma a mitigar a perda de biodiversidade gerada por tais aproveitamentos hidráulicos. No mesmo sentido é também crucial a própria configuração das margens e especialmente das zonas de contacto onde os cursos de água, temporários ou permanentes, drenam para a albufeira.

A perda de naturalidade dos corredores fluviais e o declínio do seu estado ecológico também estão relacionados com outras obras hidráulicas, especialmente nos casos em que os cursos de água são alterados por canalização para retificar o seu traçado e modificam a sua largura, chegando por vezes ao aterramento de trechos fluviais através de entubamento do canal. Os efeitos sobre a dinâmica fluvial derivados destas obras são similares aos indicados para as barragens, embora o seu impacto seja agravado quando a fixação das margens ou do leito fluviais é feita de betão armado ou cimento, já que o carácter impermeável destes materiais reduz a posição do nível freático, o intercâmbio hidrológico com os aquíferos aluviais, assim como o efeito amortizador da planície aluvial perante as cheias.

Este tipo de ações altera o equilíbrio do corredor fluvial, obrigando o sistema a modificar os seus processos de erosão e sedimentação, alterando a conectividade longitudinal, vertical e lateral, tanto no trecho afetado diretamente pela estrutura construída, como para montante e jusante da mesma. A força da corrente e a altura das águas durante as cheias também serão modificados, causando muitas vezes uma intensificação dos processos erosivos.

6.2. Alterações das características físico-químicas

Outro fator negativo sobre os corredores fluviais é determinado pela qualidade das águas superficiais. Ainda que nos últimos anos se tenha realizado um importante esforço para depurar os esgotos da maioria dos grandes núcleos populacionais, o estado físico-químico das águas superficiais pode ser melhorado em vários trechos que recebem água insuficientemente tratada ou sem tratamento, assim como uma carga contínua de contaminação difusa, com origem nas atividades do setor primário (chorumes, fertilizantes, etc.), o que promove, em muitos casos, uma excessiva carga de nutrientes com consequências diretas sobre a oxigenação da água. Também as atividades de produção energética ou industriais podem afetar negativamente o pH e a temperatura da água, assim como o oxigénio dissolvido. Estas pressões podem afetar o estado ecológico da massa de água que está a ser poluída.

6.3. Alteração das caraterísticas químicas da água

Para além da descarga de nutrientes ou poluição térmica, as atividades industriais, mineiras (incluindo as que já não estão ativas) e até algumas práticas agropecuárias podem alterar as caraterísticas químicas da água, através de descargas significativas de contaminantes específicos (que afetariam o estado ecológico) e incrementos de substâncias prioritárias e outros contaminantes acima dos padrões de qualidade ambiental (que afetariam o estado químico).

6.4. Pressões por uso

A urbanização e industrialização dos terrenos aluviais não só leva à destruição dos habitats naturais, como a impermeabilização do solo diminui a sua capacidade de infiltração, com o consequente aumento da quantidade e velocidade do escoamento superficial. Estas transformações resultam num aumento dos picos de cheia e num encurtamento dos tempos de resposta, aumentando com isso o risco de cheias.

Adicionalmente, a transformação de um trecho fluvial numa área recreativa representa uma atividade cada vez mais frequente. Este processo leva normalmente à alteração de biótopos e à eliminação ou redução das biocenoses naturais e seminaturais. Estas ações podem ser dramáticas quando a pretendida praia fluvial é planificada para trechos de alto valor ambiental, com presença de espécies endémicas ou protegidas que vivem no leito ou nas margens. A sua ocorrência num estado de conservação favorável torna-se incompatível com as atividades lúdicas e a manutenção da própria praia fluvial.

6.5. Espécies Exóticas Invasoras

As características ecológicas dos corredores fluviais, como a dinâmica fluvial das cheias, provocam um regime natural de perturbação física que determinam que sejam também meios muito suscetíveis à invasão por espécies exóticas. O regime hidrológico natural favorece a mobilização de sedimentos, permitindo a criação de depósitos sedimentares disponíveis para a colonização de plantas. No entanto, algumas espécies exóticas usam os corredores como áreas de dispersão/expansão, invadindo assim de forma eficiente outros territórios, distintos daqueles onde se haviam estabelecido inicialmente.

Entre as espécies invasoras presentes nos corredores fluviais do NW ibérico podem referir-se as cultivadas nas zonas próximas do corredor fluvial ou no seio destes [e.g. Acacia, Robinia, Pinus, Eucalyptus, Arundo, Bambusoideae (e.g. Phyllostachys ssp.), Bromus willdenowii (= B. catharticus), Lolium x boucheanum (= L. x hybridum), Dactylis glomerata subsp. glomerata, etc.] e cujos propágulos se estabeleceram e se desenvolveram sem a necessidade da ação humana, invadindo distintas áreas no corredor fluvial, ou mesmo conseguido expandir-se para outros territórios.

Um número significante de plantas exóticas invasoras provém de plantas cultivadas em jardins públicos ou privados, assim como áreas ajardinadas de infrastruturas lineares (Ailanthus altissima, Arctotheca calendula, Buddleja davidii, Cortaderia selloana, Crocosmia x crocosmiiflora, Helichrysum petiolare, Lonicera japonica, Reynoutria japonica, Sporobolus indicus, Stenotaphrum secundatum, Tradescantia fluminensis, Vinca difformis, Vinca major, Yucca gloriosa, Zantedeschia aethiopica, etc.). De novo, os propágulos (sementes, frutos, rizomas) gerados por estes indivíduos determinaram o surgimento de novas populações, que provocaram a invasão dos corredores fluviais. Em alguns casos, estes propágulos iniciais correspondem a estacas ou restos de plantas provenientes das podas e cortes nos jardins (e.g. Calendula officinalis, Canna indica, Crocosmia x crocosmiiflora, Ipomoea acuminata, Ipomoea purpurea, Opuntia spp., Reynoutria japonica, Salix gr. babylonica, Yucca gloriosa, etc.), que são depositadas irregularmente nos corredores fluviais ou em áreas próximas a estes, onde conseguem estabelecer-se e depois expandir-se territorialmente.

A presença de Alnus incana, Prunus serotina ou Celtis australis (em Portugal há a dúvida se será nativo no rio Minho) está relacionada com requalificações ambientais planificadas e/ou executadas de forma deficiente, ao utilizar-se como material vegetal espécies exóticas em vez de nativas. Vinculado com este tipo de ações encontra-se a via de introdução do oomiceto aquático Phytophthora x alni, agente patogénico que está a afetar os amiais em toda a União Europeia. No NW ibérico esta foi a causa da mortalidade generalizada do amieiro (Alnus glutinosa = A. lusitanica), registada nos últimos 10 anos, especialmente na Galiza, e mais recentemente em outros territórios o noroeste ibérico, incluindo em Portugal.

O meio aquático dos corredores fluviais do NW ibérico não é estranho às doenças causadas por espécies exóticas invasoras, cuja presença e dispersão está relacionada com a libertação de plantas e animais criados em terrários e aquários domésticos, ou então por fugas de centros de produção, viveiros ou zoológicos. Representativos deste grupo são os fetos aquáticos (Azolla spp.) e outras plantas aquáticas utilizadas em aquacultura (Elodea canadensis, Egeria densa, Eichhornia crassipes, Myriophyllum aquaticum), mamíferos criados em quintas (Neovison vison) ou jardins zoológicos (Procyon lotor), peixes (Carassius auratus, Poecilia reticulata) e répteis (Trachemys scripta) procedentes de aquários e terrários. A estas há ainda que juntar outras espécies cuja presença é consequência de políticas antiquadas de controlo sanitário (Gambusia holbrooki) ou do seu uso com fins recreativos (Onchorynchus mykiss, Micropercus salmoides, Procambarus clarkii) e sua posterior transladação ilegal, bem como novas introduções ilegais no ambiente aquático.

As atividades públicas favorecem, em muitos casos, a dispersão de propágulos de espécies exóticas que são transportados acidentalmente no calçado ou na roupa, no pelo dos animais de companhia ou cavalos (Bidens ssp., Conyza ssp., Sporobolus indicus, Stenotaphrum secundatum), assim como, de forma significativa, em veículos terrestres ou embarcações. Relativamente a estes últimos vetores, é conhecida a sua ligação à dispersão do mexilhão-zebra (Dreissena polymorpha) em distintas bacias hidrográficas da Península Ibérica, ainda que não tenha sido reportada, até à data, a sua presença no NW Ibérico (em Portugal detetou-se pela primeira vez no Alqueva, em 2019). Também como resultado de atividades públicas existe outra via de favorecimento de introdução e difusão de espécies exóticas invasoras, através da execução contínua de desmatações e eliminação da vegetação nas margens de estradas e caminhos, atuação que cria meios perturbados temporários que são suscetíveis de serem facilmente colonizados por plantas exóticas invasoras. Este processo é ainda favorecido com a introdução acidental de propágulos através do calçado, roupa ou das ferramentas dos trabalhadores.

 

 

 

 

 

 

O objetivo geral do LIFE FLUVIAL é a melhoria do estado de conservação dos corredores fluviais atlânticos na Rede Natura 2000. Para este propósito, o projeto desenvolve uma série de ações em várias bacias fluviais atlânticas do NW da Península Ibérica (Espanha e Portugal), onde diversos fatores de ameaça causam a deterioração e fragmentação dos habitats dos corredores fluviais. Estas ameaças incidem sobre a qualidade e continuidade dos bosques higrófilos, habitat principal em que o projeto se focaliza [91E0* Florestas aluviais de Alnus glutinosa e Fraxinus excelsior (Alno-Padion, Alnion incanae, Salicion albae)], considerado de conservação prioritária e elemento-chave na manutenção da composição, estrutura e funcionalidade dos corredores fluviais. Para além deste, o projeto considera outro habitat nos seus objetivos: 9230 Carvalhais galaico-portugueses de Quercus robur e Quercus pyrenaica, que representa a continuidade com o tipo de habitat 91E0*.

Para alcançar este objetivo, o projeto propõe o desenvolvimento de um modelo transnacional de gestão sustentável de corredores fluviais para a melhoria do seu estado de conservação, mediante o restauro da composição, estrutura e funcionalidade dos seus tipos de habitat, a melhoria da conetividade e a redução da fragmentação. Ao mesmo tempo, pretende-se contribuir para o conhecimento dos corredores fluviais, por parte da sociedade, e dos problemas que os afetam, apresentando esta informação à opinião pública, populações ribeirinhas e aos distintos agentes sociais e gestores do território.

Os principais aspetos desta estratégia são os seguintes:

  • Controlo da flora exótica e invasora;
  • Melhoria do estado sanitário dos corredores fluviais, mediante a remoção parcial de árvores infetadas por Phythophthora;
  • Difusão e sensibilização dos valores naturais, benefícios socioeconómicos e serviços ecossistémicos prestados pelos corredores fluviais;
  • Melhoria da formação e capacitação técnica dos agentes implicados na gestão e conservação dos corredores fluviais.

Com base nisto, o projeto estrutura-se nos seguintes tipos de ações:

  1. Ações preparatórias. Avaliação prévia das áreas de atuação, indicadores comuns para monitorização, planificação técnica das ações, plano de expropriações (neste caso só em território espanhol).
  2. Aquisição de terrenos. Aquisição, mediante expropriação, de terrenos confrontantes com a margem fluvioesturina no município de Ribadeo (Galiza), com a finalidade de naturalizar tais terrenos mediante a destruição de plantações de eucalipto e o restauro dos habitats naturais.
  3. Ações de conservação. Definiram-se 8 ações de conservação em 9 áreas Natura 2000 de Espanha e Portugal distribuídos pelos setores altos, médios e baixos de cinco bacias hidrográficas, para a melhoria do estado de conservação de habitats dos corredores fluviais, principalmente do tipo 91E0*. As tarefas incluídas nestas ações são: controlo de espécies invasoras, remoção de amieiros mortos, restauro do coberto vegetal natural.
  4. Ações de monitorização. Ações de monitorização para medir o impacto do projeto sobre os habitats alvo, para avaliar o impacto socioeconómico do projeto, para avaliar o impacto do projeto sobre as funções do ecossistema, assim como para analisar o progresso do projeto.
  5. Sensibilização pública e difusão dos resultados. Estas ações incluem: um plano de comunicação; desenho, elaboração e instalação de materiais e equipamentos informativos, didáticos e de sensibilização; desenho e implementação de um programa de sensibilização e difusão; edição de um boletim eletrónico informativo; lançamento de uma página da Internet; e estabelecimento de relações com outros projetos de temática similar.
  6. Gestão do projeto. Ação relativa ao processo de gestão e coordenação do projeto.

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